domingo, 30 de novembro de 2008

Vívian de que?

domingo, 30 de novembro de 2008

Tudo é só questão de instinto. Obedecer ao corpo por que não sabemos explicar o que estamos sentindo. Chamamos de instinto aquilo que fazemos, aquilo que queremos, aquilo de que precisamos, tudo o que não sabemos compreender.

Ele, aquele meu velho e único amigo, o qual não sei como, consegui preservar desde a adolescência, perguntava-me de forma seca e íntima, “Por quê você trepa, se não goza?”. Achei tola a pergunta. Tinha vontade de responder: “Por que eu sou uma prostituta, oras! Dou para comer, e não para ter prazer!”. Mas por ser uma das poucas pessoas que convivem comigo, respondi calmamente que eu gostaria muito de ter marido e filhos, uma casinha aconchegante, um dinheirinho no banco e um carrinho qualquer, onde meu cachorro faria xixi nas rodas quando eu chegasse a casa nele, mas que minha vida, infelizmente, tinha tomado um rumo diferente, que não tive a sorte e a base necessária. Que nunca fui instruída para aquilo. Só cresci na sempre presente ambição de ser rica e o único jeito que minha ingênua pessoa encontrou para isso no finzinho de sua adolescência foi o da prostituição.

Ele parecia entender, ou pelo menos aceitar. Não é qualquer um que consegue ultrapassar o preconceito com mulheres da vida. Acho que em sua cabeça havia consciência de que eu nunca tivera encontrado oportunidades melhores.

E sempre foi assim pra mim.

As pessoas costumam me olhar de três formas apenas. Desejando-me, desprezando-me ou tendo pena de mim. Acho que elas nunca pararam para pensar no porque de eu ter escolhido aquele caminho, antes de cuspir nas minhas pegadas.

Eu nunca tive ninguém. Sempre me julguei dona do próprio nariz, o que era só um eufemismo para disfarçar a minha necessidade de atenção. Meus pais nunca souberam me educar. Achavam que o modo de ensinar era dizer o que fazer e pronto. Eles me criavam na base do “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”, achando que isso me tornaria uma pessoa decente, quando na verdade quase tudo que eu sou hoje é reflexo de suas atitudes. Eles sempre brigavam comigo e me chamavam de mal-agradecida. Diziam que eu deveria era bater na boca e levantar as mãos pro céu, ao invés de criticar tudo que eu tinha. O que meus pais não entendiam era que eu reclamava apenas da falta de amor. Nasci pura, nasci virgem, nasci inocente, mas tudo isso se perdeu naquele abismo de solidão. E fui muito tola, por que de um abismo passei para um universo. Cheio de gente e ao mesmo tempo sem ninguém. Perdi-me num mundo de egoísmo, de falta de amor, e me achei, como único jeito de sobreviver, na prostituição.

Estar com esse meu amigo, o Larry, sempre me causa certa nostalgia. Retorno à minha adolescência, desço até a raiz do meu ser e me julgo, analisando cada atitude que tomei. Normalmente, ele me faz perguntas aparentemente bobas, mas que me fazem refletir bastante. Mas dessa vez foi realmente uma indagação vã.

Das perguntas que ele me fez a que mais me alugou foi a última. A de “quem é você”.

- Quem sou eu? – Perguntei em seguida.

- É, quem é você?

- Quem sou eu para você, Larry?

- Não é isso que você tem que saber, mas para mim você é Lúcia.

- Eu não sou um alguém fixo. Para você eu sou a Lúcia, meu nome verdadeiro, minha pessoa verdadeira. Mas para cada cliente sou uma pessoa diferente. Isso depende do papel que eu vou ter que representar. Às vezes a moça inocente, “você é meu primeiro cliente”, às vezes a experiente, “eu sou sua primeira mulher”. Outras vezes tenho apenas que corresponder à expectativa de que toda prostituta é safada, faz por que quer, por que gosta e não por que precisa. E é isso que eu finjo ser, por que, como você deve imaginar, eu não dou por prazer, eu não dou por que quero, eu dou para comer. (que humilhante, pensei) E se gemer seus nomes enquanto finjo orgasmos trepando com homens acabados for pagar o meu aluguel, vou ter que continuar aceitando que para ser prostituta, também é necessário ser atriz. Afinal, eu sempre achei que o que eles querem não é prazer, e sim se sentirem desejados por uma mulher gostosa, mesmo que para isso tenham que pagar.

Mas isso não respondeu à dúvida imensa que ficou dentro de mim. Quem sou eu, enfim?

E há um instinto, do qual não sei nem o nome, nem explicar como ele é, que me diz que estou prestes a descobrir.Será?

 
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