segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Às vezes acontecem coisas que me fazem acreditar em Deus.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Sempre fui estranha. Acho que a solidão, com a qual eu já nasci, dava-me esse ar diferente. Sempre reprimi meus sonhos, abafei meus mais profundos desejos, sempre me recriminei e me proibi de lutar por alguma vontade. Talvez porque tentar me fizesse perder tempo e eu não sou nenhuma perua rica com dinheiro para isso. Ou porque o medo de ser uma fracassada me paralisa e me tira qualquer coragem. Mas apesar de não buscar a conquista de minhas necessidades, sempre alimentei uma esperança, como uma sementinha a qual eu rego na crença de que um dia, talvez, ela se torne uma grande árvore.
Uma vez por mês eu visito um orfanato. Sempre quis ser mãe, como já falei várias vezes aqui. Ao chegar lá sou tomada por um sentimento diferente, mas já estou acostumada. Uma coisa metade sonho, metade fracasso. Metade meta, metade ilusão. Em meus olhos sinto um brilho de quem diz, “ainda vai chegar a minha vez”. Mas eu sinto um arrepio gritante. Ele me sussurra no ouvido de um modo frio que eu não sou o tipo de gente que merece uma criança, que é digna de dar amor e educar alguém. Eu vejo a luta constante dessas duas sensações. Travam batalhas quase intermináveis dentro de mim, tendo como vítima de sua guerra o meu sofrimento, a minha agonia, a minha angústia.
Algumas crianças do orfanato já me conhecem e me chamam de tia Lúcia. Fico horas e horas pensando no sofrimento daquelas pessoinhas. Na vontade de ter alguém. Na vontade de ter um lar. Mas crianças são crianças. Por mais que o sofrimento seja grande, quase sempre as encontramos rindo e brincando.
Sempre que possível eu levo alguns presentinhos. Coisas simples, mas que fazem surgir naqueles olhinhos curiosos um grande brilho de felicidade. Há uma garotinha lá chamada Jéssica. Sinceramente, é a minha preferida. Uma mocinha com seus cinco anos de idade muito bem aproveitados, que se acha muito esperta (e que é), brincalhona e extrovertida. Uma garotinha pequena no tamanho, mas grande no ser. É ela que eu tenho mais vontade de adotar. Já perdi (ou ganhei) dias imaginando Jéssica em minha vida. Nós duas na praia, tomando sol. Nós duas viajando, olhando a paisagem. Nós duas na cozinha, preparando o jantar. Nós duas no shopping, fazendo compras. Nisso lágrimas já me subiram nos olhos, e já me desceram de lá diversas vezes.
A meninha me deixa feliz, só por existir. Parece que seus pais biológicos foram assassinados por uma questão de drogas. Jéssica fica ali, branquinha dos cabelos negros, pulando e sendo feliz como quem já nasceu naquele lugar e não busca saber a verdade sobre suas raízes. Ainda não, com seus cinco aninhos de idade. Olhando para ela sinto cada vez uma vontade maior de ser mãe. Imagina você... alguma assistente social ceder a guarda de uma criança para uma prostituta solitária. Isso destrói qualquer sementinha.
Mas ontem algo me aconteceu, algo inacreditável. Como se alguém soubesse dos meus sonhos e quisesse a minha felicidade. Como se eu fosse protagonista de uma novela mexicana. Ontem... uma criança foi deixada à minha porta. Ela deve ter uns dois anos e meio. É uma menina, uma menina ruivinha e chorona. Estava dormindo em um cobertor rasgado, e, como que de um modo muito clichê, tinha uma carta amarrada em seu punho. Onde dizia claramente: “Cuide dela como se fosse sua. Para você é um presente, para mim um alívio”. A carta não tinha assinatura. Não dizia o nome da menina. Mas embaixo, dentro do envelope ainda, estava sua certidão de nascimento. E um ‘P.S.’, pedindo para eu não ir atrás da mãe, pelo nome contido no documento. Afirmando não ter nem tempo, nem amor, nem dinheiro para cuidar de Melissa. Melissa era o nome do meu sonho entregue a domicílio.
Ela está ali, deitadinha. Só não chora quando dormi mesmo. Os vizinhos devem estar achando estranho. Pode ser que eles denunciem para alguém. Não sei o que fazer. Se a levo para um orfanato. Se cuido dela como minha filha. Acho que vou me mudar daqui com Melissa, para evitar qualquer tentativa de corromper meu primeiro sonho realizado.

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