quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Um encontro com o passado.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Uma folha em branco, um convite. Um Sol nascendo, um convite. Uma cama bagunçada, um convite. O que mais é um convite para você?
Saí para passear como quem nada queria. Fazia tempo que eu não gastava minhas manhãs pelas ruas secas de minha cidade.
Meus vizinhos sabem como eu ganho meu dinheiro, então, pelo instinto de se preservarem, não falam comigo. Há apenas uma senhora, sem filhos, netos, sem ninguém. Ela mora em um apartamento de 4 quartos, cujo andar é em cima do meu. Meu apartamento é pequeno. Tem dois quartos, um para eu dormir, outro onde eu entulho coisas que não uso mais. Essa senhora, dona Neyde, só não é mais sozinha por que deve ter uns 20 gatos em sua casa. Todos com seus nomezinhos e corezinhas enfeitando o lugar. E que lugar! Lugar belo para se morar, principalmente com uma família. Com uns três filhos, um marido, um papagaio... enfim, daria para construir uma vida maravilhosa ali. Dona Neyde, não sei por que, era a única moradora de nosso prédio que falava comigo. Talvez seja por que temos a solidão como algo em comum. Talvez seja porque ela possa não saber quem realmente sou. Talvez seu coração seja doce e ela me aceite mesmo assim. E é a única, também não sei por que, para quem falei meu nome verdadeiro. Desci com uma roupa decente, encontrei com ela na portaria e ela me cumprimentou com aquele sorriso e olhos tão meigos e com um de seus gatos no colo, a quem chamava de ‘roqui’.
Fui andando lentamente pela rua, tomando um sorvete de chiclete, sorrindo. Parei em uma praça, não muito movimentada devido ao horário. Sentei-me em um banco e fiquei observando as crianças brincarem. Uma das mães que se encontrava em uma roda de outras mulheres me viu e logo em seguida pegou seu filho pela mão e foi embora com ele. Depois disso, outras três fizeram a mesma coisa. Sinceramente, já faz muito tempo que eu me acostumei a esse tipo de recpção.
Outra mulher chegou, com uma menina nos braços ela passeava cantarolando uma música infantil. De olhos fechados, ela passava a mão com uma aliança chamativa sobre os loiros cabelos da criança. Sentou-se ao meu lado e me cumprimentou. No mesmo instante a reconheci. Era Nina Nutz, estudamos juntas durante muitos anos, antes de eu fugir de casa. Não sei se meus pais disseram lá que eu fui embora. A princípio, não gostei de vê-la ali. Éramos ‘inimigas’ em nosso tempo de colégio. Namorávamos os garotos mais populares, andávamos com as pessoas mais legais. E nos odiávamos. Agora a via ali à minha frente. Linda, aparentemente rica, casada e mãe de uma bela filha. Tudo o que eu queria ter e ser. Tudo que eu poderia ter e ser se tivesse continuado no meu caminho. Se não tivesse me desviado. E, talvez, se não tivesse conhecido Jerkoff. Nina também se lembrou de mim, mas parecia não ligar para o fato de termos sidos inimigas durante anos. Demonstrava ser madura.
Ela me perguntou como andava a vida, se eu tinha me casado, se tinha filhos. Eu tive que inventar uma história, mentir que estava trabalhando em uma empresa de festas, dizer que não me casei por que não quis casar. Nunca que eu falaria a verdade, seria humilhante. Por horas conversamos. Ela me falou de seu marido, Nolan, de seus dois filhos, Maurício e Ana, a loirinha. Rimos bastante de nosso passado juntas. Não lembramos por que não nos gostávamos, afinal, tínhamos tudo a ver uma com a outra. Ela disse que eu me tornara uma linda mulher, mal sabia ela que isso era o meu instrumento de trabalho.
Senti bastante inveja de Nina, admito, e ela ainda me lembrava a época de que eu queria esquecer, mas fazia tempo que eu não conversava com alguém assim, de igual para igual. Sem me sentir inferior ou submissa. Alguém que não me julgasse, que não me recriminasse. Alguém que me fizesse me sentir bem. Ficamos amigas incrivelmente. Ela me convidou para passar uns dias em sua casa, na minha antiga cidade. Estava passando férias aqui e disse que foi muito bom ter me reencontrado, que não queria que perdêssemos o contato. Eu disse que iria pensar. Trocamos telefones.
Sinto-me muito solitária, todos os dias. Talvez a cada dia me sinta mais. Porém hoje senti um sentimento diferente. Era uma inveja, misturada com saudade, temperada com felicidade, recheada com mais e mais solidão. Juro que eu queria fazer algo igual amanhã.

0 comentários:

 
Design by Pocket